11 de out. de 2004

Ensaio da Tristeza

Pensando sobre aqueles que conheço realmente e virtualmente que trocaram de país, e sobre aqueles que na terrinha ficaram, é um pouco evidente como o exercício da felicidade em gringolândia merece mais atenção e esforço. Todo mundo sabe que não é fácil adaptar-se, ainda, muita gente põe os pés dos lados de cá com uma expectativa cor-de-rosa: se no Brasil há tantos problemas, primeiro mundo deve ser primeiro mundo justamente pela ausência de problemas.

Não é bem assim, e nem uma questão de problemas. Acho que a maioria das pessoas que vejo pelos lados de cá com maiores dificuldades na adaptação são aquelas que resistem em se desgarrar de tudo aquilo que foi referência durante a vida, muitos pré-julgamentos que carregam sobre o que é bom e o que é ruim.

É fácil entrar no esquema da reclamação: que se perde muito tempo com afazeres domésticos porque a ajuda é cara, que as pessoas não são muito receptivas, que eu faço unha e depilação eu mesma, que o povo é muito quadradinho, certinho, que eu, tendo grau universitário e pós devo ser tratada como "nata" e não como imigrante, que eu, que eu, que eu...

Ao meu ver, isso é somente o choque cultural e é muito fácil começar o esquema comparativo, que no Brasil é tudo muito melhor, porque aqui eu sou só uma imigrante. Ora, vejamos, sim, isso é fato, eu sou imigrante. E nessa palavra, ao meu ver, não há conotação pejorativa, se há na cabeça do interlocutor são outros quinhentos. Mas é por isso que muito expatriado acaba entrando no mode auto-loa, achando que tem muito mais qualidades do que as pessoas que o cercam, e ainda porque eles não sabem de todas as regalias das quais abdicou naquele país simplesmente fantástico para estar aqui. Fácil pensar assim e muita gente cai nessa cilada.

Difícil é enxergar o bom. Difícil é pensar que gringo, quando imigra para o nosso país, também passa pelas mesmas mazelas somente porque ele também tem suas qualidades e suas vantagens no seu país. Difícil é afastar aquela caixinha que não vemos, mas que está ali a delimitar a maneira como enxergamos as coisas. Difícil é ver além, dos lados, pelos lados. Difícil é buscar a felicidade.

Mas, vejo sim muita gente assim, com o espírito aberto, com a vontade de experimentar, de trocar, de tentar. E eu admiro muito essas pessoas, aprendo com elas sobre aquilo que me falta para ter o que tanto quero, a tal felicidade, busco nelas a vontade e o apoio quando esses me falham e tento aprender como lidar com o que sinto quando a saudade aperta.

Das tristes, eu também aprendo:

- que eu não quero tristeza pra mim,
- que eu preciso abrir minha cabecinha porque se não fizer, ficarei sucumbida à minha tristeza
- que no meu país as coisas não são melhores, são apenas diferentes, ou seja, que a comparação, na maioria das vezes, é pró-Brasil e anti-terra estrangeira, e isso é uma das piores ciladas
- que eu preciso ser humilde. Achar que sou melhor do que aqueles que me circundam porque eu tenho/tive isso ou aquilo no Brasil só me levará ao isolamento
- que ter bom humor para olhar para as próprias desgraças é fundamental para que eu não fique amarrada às mazelas
- que eu posso aprender, mesmo com aquilo ou aquelas pessoas que são o oposto do que quero para mim. Mesmo as tristes

Final das contas, acho que se aprende tanto dos diferentes quanto dos mais similares. O xis da questão está em querer aprender.


Blog: Duralex Sedilex

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