4 de mai. de 2004

Voces sabiam que tem brasileiro até na Ucrania? Pois é, o Txai foi.


Qual a cor da sua alma?

Não sei a que raça pertenço (e por acaso algum brasileiro sabe?), nem nunca me importei com isso. Sei apenas que sou uma mistura de índio, branco e negro. Tenho olhos ligeiramente puxados, pele morena e cabelos lisos. Na minha última ida ao Brasil, fui a um almoço em família. Um de meus sobrinhos, que raramente me vê (sim, sou um tio relapso), apontou para mim e perguntou ao meu irmão (que, mesmo sendo meu irmão, é completamente branquelo):

- Pai, quem é aquele japonês?

Isso tudo vem a propósito de ser hoje o Dia Nacional da Consciência Negra. Sei que existe discriminação (mais social que racial) no Brasil, mas fico irritado quando leio declarações de pessoas que insistem em querer comparar a situação brasileira com a de outros países.

Alguns, até, afirmam que no Brasil o racismo é pior que o americano ou europeu, pois seria dissimulado.

Essas pessoas na verdade confundem discriminação racial com ódio racial. Ambas são manifestações vergonhosas da estupidez humana, mas a diferença entre elas é enorme.

Para quem quiser comparar, aí vão algumas experiências pelas quais já passei em minhas andanças por esse mundão de Deus. E que nunca me aconteceram, e creio que nunca me acontecerão, no Brasil.

Cena 1: Restaurante em Kiev. Estou tranquilamente sentado com um amigo e noto que um sujeito na mesa ao lado me olha de maneira agressiva. Não dou bola. Lá pelas tantas, o sujeito levanta, olha pra mim com a cara ainda mais feia, estica o braço e berra:

- Heil Hitler!!!

Se fosse um skinhead, provavelmente eu não me surpreenderia. Mas como se tratava de um sujeito de aparência comum e inofensiva, só consegui ficar boquiaberto. Até tentei dar um desconto, o cara devia estar bêbado e tal. Só que essa mesmíssima situação voltou a acontecer outras vezes, em outros lugares. Com o tempo, fui aprendendo a encarar esse tipo de coisa. Agora, quando isso acontece, reajo com sarcasmo: estico o braço e grito de volta:

- Khakhol Hitler!!!

Khakhol é a forma pejorativa que os russos usam para se referir aos ucranianos. Significa, numa tradução livre, "morto de fome").

Cena 2: Uma rua de Kiev. Minha amiga brasileira tem a pele bem clara, mas a irmã dela é mais moreninha. Um sujeito passa por elas, grunhe algo para a moreninha e dá-lhe uma certeira cusparada.

Cena 3: Supermercado. Enquanto faço compras, percebo que um sujeito uniformizado me segue onde quer que eu vá. No caixa, o tal sujeito posta-se à saída e me observa enquanto a caixa registra as minhas compras. Faço o pagamento e me preparo para sair, quando o tal sujeito me aborda e pede que eu mostre o ticket e o conteúdo da sacola e dos meus bolsos. Claro que mandei ele à merda, aos berros. Aí vem a gerente que, num inglês horroroso, me explica que aquele é um procedimento normal, já que na cidade há muitos ciganos e imigrantes asiáticos.

Ela me disse isso assim, com a maior naturalidade do mundo, como se me informasse as horas. O que eu respondi a ela acho melhor não reproduzir aqui. P. da vida, virei a sacola de compras de ponta cabeça e derramei tudo nos pés da loira, entreguei-lhe o ticket do caixa e exigi que ela checasse todos os itens. Diante de ovos quebrados e leite derramado por todo lado, ela ficou vermelhíssima, pediu desculpas, disse que não precisava checar nada, estava tudo certo, muito obrigada.

Eu insisti: só sairia dali depois que ela verificasse tudo, timtim por timtim. Ela então chamou um dos seguranças e os dois começaram o serviço. Quando terminaram, perguntei se estava tudo ok, disseram que sim, estava tudo certo. Aí eu pedi de volta o ticket e informei a ela que queria de volta a quantia que havia pago. E ela que enfiasse aqueles produtos onde bem lhe aprouvesse. Ela se recusou.

Para encerrar a conversa, disse a ela que ficasse com o dinheiro. Era minha contribuição ao processo ucraniano de saída das cavernas.

Essa cena repetiu-se mais algumas vezes em outros lugares (claro que no primeiro supermercado nunca mais pus os pés). Numa ocasião, quando vi que o segurança, como de hábito, estava me seguindo, fui até a seção de comida para cães, peguei um pacotinho de ração, fui até o caixa e paguei. Ao passar por ele, que já me esperava na saída, atirei-lhe a ração e gritei:

- Toma, totó. Padarok (um presentinho).

Sei que não foi uma atitude lá muito cristã, mas paciência tem limites.

Cena 4: Aeroporto de Roma. Na fila do serviço de imigração, umas duzentas pessoas. Europeus, japoneses, americanos. Só eu com a pele mais marronzinha. Adivinha quem foi o único abordado por um sujeito uniformizado, com pinta de guarda-costas de Mussolini? Eu, claro.

A simpática figura literalmente arrancou o passaporte de minhas mãos e começou a fazer perguntas, ali mesmo na fila. Terminado o interrogatório, me acompanhou a um guichê exclusivo, no qual não havia fila, como quem tenta me compensar pelo inconveniente. Aproveitei e perguntei por que apenas eu estava sendo objeto daquele procedimento, se na fila havia tantas outras pessoas. Ele respondeu que aquilo era apenas uma medida de segurança normal.

Respondi que, se aquilo era considerado normal na Itália, talvez fosse melhor eu voltar do aeroporto mesmo. Antes que me acontecessem coisas anormais.

Passei então ao setor da alfândega. Dezenas de pessoas passando com suas bagagens, numa boa. Adivinha, de novo, qual foi a única mala que eles pediram para revistar?

Então. Alguém aí acha mesmo que existe racismo no Brasil?

Viva Pindorama, meu povo!!!

Blog: Astaróóójna!!!